quarta-feira, 6 de julho de 2011

Escapismo nostálgico


Muitas vezes o vazio de nossas vidas é preenchido por alguma forma de entretenimento, ou na ilusão de felicidade plena em uma época diferente. Woody Allen é representante confesso dessa premissa. O escapismo já foi retratado pelo cineasta em "A Rosa Púrpura do Cairo" e volta agora em grande forma com o delicioso, soberbo e naturalmente triste "Meia Noite em Paris".   
O filme é um deleite! Me faltam palavras pra descrever a sensação que tive ao assisti-lo. É  impressionante a identificação que eu tenho com Allen. Com o diretor e seus personagens principais, sempre espelhados em sua própria personalidade. 
Allen veio dessa vez coberto de nostalgia, aquela impressão que temos de não pertencer à nossa época. O diretor sempre deixou clara essa nostalgia através de suas entrevistas, principalmente as recentes para promover o longa.      
Dessa vez seu alter-ego foi interpretado maravilhosamente (sim, eu também me surpreendi!) por Owen Wilson! Woody Allen é tão maravilhoso (não me canso de babar por ele!) que conseguiu tirar uma performance sutil e graciosa de Wilson. Os trejeitos, a leve gagueira, o jeito de andar, as piadas que ninguém entende, tudo transmite Allen. Tenho a audácia de citá-lo como o melhor alter-ego desde o próprio diretor!
No filme, Owen Wilson é Gil, um roteirista de relativo sucesso em Hollywood e que sempre idolatrou os grandes escritores americanos. Frustrado com a profissão e sonhando escrever um grande romance, ele está prestes a ir a Paris ao lado de sua noiva, Inez (Rachel McAdams), e dos pais dela, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy). John irá à cidade para fechar um grande negócio e não se preocupa nem um pouco em esconder sua desaprovação pelo futuro genro. Estar em Paris faz com que Gil volte a se questionar sobre os rumos de sua vida, desencadeando o velho sonho de se tornar um escritor reconhecido.
Em uma noite, cansado dos programas e futilidades de sua noiva e do amigo dela, um pseudo-intelectual (Michael Sheen), Gil sai pela cidade. Quando é meia noite, ele é magicamente transportado para a Paris dos anos 1920. É ali que encontra todos seus ídolos. Zelda e Scott Fitzgerald, Cole Porter, Pablo Picasso, Ernest Hemingway, Salvador Dalí, um jovem Luis Buñuel, entre outros. É lá também que conhece a musa de Picasso, Adriana (Marion Cotillard) a qual se encanta perdidamente.       
A partir daí, ele começa a "voltar ao passado" todas as noites. Com o pretexto de estar trabalhando em seu livro, Gil se livra dos programas com Inez, que nada tem a ver com ele e parece não acreditar de fato em seu talento.
É realmente difícil explicitar o brilhantismo do longa. Além de uma trilha sonora deliciosa, incluindo o próprio Cole Porter em uma de suas aparições no passado (com direito a deliciosa canção "Let's do it"), a atmosfera é toda saudosista. 
No entanto, Gil vê que todo aquele idealismo é, de fato, um idealismo! Diferente da vida real, é uma fantasia. O personagem descobre que, assim como ele, algumas pessoas daquela época também não estavam satisfeitas em seu tempo. Não é nada mais que escapismo e não importa a ocasião, é tudo uma questão de nosso interior.